SOBRE POESIA
Um avô como exemplo, faço poesia, sem interrupção, desde que me conheço por gente.
Nunca quis ser outra coisa.
Aos 34 anos, acho que tenho direito a alguma opiniões.
Minha poesia aventureira tem um passado de freira e puta.
No ponto de origem, a empolgação pelo legado heleno-latino. Horácio, Ovídio, Catulo. Clareza e saúde mediterrânea.
A descoberta do haiku. Síntese e vazio zen.
O encontro com a poesia concreta, a vanguarda, o espaço, o ideograma, as linguagens industriais.
O impacto de Maiakoviski. Caetano, Gil, tropicália.
A mutação da letra de música popular. O coloquial. O cantabile. Humor/cartum.
Da poesia brasileira, menos.
Drummond, só uma dose simple para saber o barato que dá.
Cabral, por dever do ofício.
Oswald, já muito tarde para alterar rumos.
Com os demais, só contatos didáticos.
Nunca fui muito fanático Fernando Pessoa, de quem gosto mais pelo processo do que pelo do produto que, às vezes, me dá a impressão de mero ardil, saltos ornamentais numa piscina vazia.
Houve tempo em que fiz poesia rica. Mas era um Brasil de tão individada.
Hoje é mais pobre. Mas com menos dívida externa.
Evito a literatura.
É mitologia, ideologia, religião.
Procuro enxergar o texto à luz dos signos, da linguagem, da semiótica.
Poetas me interessam na medida da sua originalidade e coerência estrutural.
Faço questão de não me repetir, nem em sagues nem em soluções.
E sempre tive aversão natural ao surrealismo, pelo metafórico, pelo arbitrário, pelo "profundo", pelo psicológico, pelo típico.
Me deixo enganar às vezes pelo bem-feito e pelo bem acabado.
Mas estou alerta a que as coisas novas costumam pientar em estado acabado, irregular, "errado", discutível, problemático, perigoso, "experimental".
Não é minha inteção fazer poesia voltada radicalmente para a construção, a produção de matrizes novas para uma sensibilidade nova.
No que faço, subsiste um componete acentuado de expressão, de comunicação, portanto. Isso só é possível com um certo teor de retundâncias, de "facilidades", cuja desordem controlo e regulo.
Mas não tenho obsessões, não sou poeta de temas.
Tenho um horror pop a qualquer palavra que obrigue o leitor normal a ir no dicionário.
O resultado deve ser raro, os ingredientes têm de ser simples.
Tem um difícil que é fácil. E um fácil que é muito difícil. Prefiro este. Contra os aparos persas, diria Horácio.
João Gilberto é um dos nomes tutelares da minha poesia.
Uma poesia básica. Elementar como um abc ou uma tabuada.
Tamanho não é documento. No meu modo de ver, a brevidade pertence à essência mesma da poesia.
Detesto poesia dita profunda. Estou cagando e andando para a psicologia.
Não tenho psique. Soua apenas uma besta dos pinheirais.
Na mesa da poesia, prefiro carne sem gordura, os ovos crus, a água na temperatura ambiente, a voz natural.
Poesia tem que me surpreeender. Poesia envolvente e insinuante me cheira a vigarice. Eu vejo logo o truque. Eu quero o susto e o eco do susto.
Criativamente, prefiro a companhia dos programadores visuais e dos músicos. Não consigo aprender nada com escritores.
Poesia, aliás, é território limítrofe entre o verbo e outras artes.
Ficção é literatura. Poesia, não. Um poeta, embora use palavras, está mais próximo de músicos e plásticos do que de ficcionistas que usam, aparentemente, as mesmas palavras que ele.
E mais próximo da fonte da fala.
Os signos com que falamos pertencem a uma família de signos completamente distinta da família dos signos com que escrevemos.
Falamos com ícones. Escrevemos símbolos.
A fala tem valores de entonação, cadência, melodia: é iconica, como no desenhos, a foto, o cartum, a dança, o judô.
A escrita é simbólica, arbitrária, esquisofrênica, repressiva.
O negócio da poesia é ficar brincando nas fronteiras.
95% da poesia que se faz e se publica por aí não tem nem 5% de poesia.
Começo a gostar da poesia 70% paar cima.
Fazem prosa empinhadas em linhas. Se pelo menos fosse boa prosa!
O baixo teor de informação (estética) do texto brasileiro é relativo a nossa condição de nação periférica, obscurantista, colonial, lusa, patriarcal, católica, mais de imitar que de pensar e criar?
De qualquer forma, não acho que compactuar com subdesenvolvimento e redundância seja a solução. E voto no 14bis de Dumont para totem da tribo.
Poesia da música popular pode ser inculta (até é bom que seja).
Poesia no papel tem que ser informada.
Os que defendem uma poesia desprevinida esquecem que os grandes poetas do Brasil têm sido intelectuais de amplo saber e múltiplos interesses ( Bandeira, Drummond, Cabral, Murilo, sem falar no Mário).
A única exceção aparente é Oswald. Oswald é outro papo.
Mas penso que execivo amor aos síbolos é amor à morte.
Prefiro a vida, esse signo sempre incompleto.
Poesia, para mim, tem que ser alegria e esperança. O puro júbilo do objeto, esplendor do aqui e do agora. Ou a canção assobiada que ajuda a caminhar nas estradas, na viagem rumo à Utopia.
Cedo me dei conta que poesia não altera porra nenhuma do real histórico.
Quem quer fazer da poesia bandeira de guerra ou tribuna, errou de profissão e escolheu o intrumento inadequado.
Não que a poesia brotar do político ou do social, mais expecíficos. Pode. E até acho deve, num país como esse.
Mas que pinte do modo específico da poesia, no ser da linguagem.
Querem transportar a gravidade dos temas que abordamos (o perário, a miséria, a fome, a desgraça) para sua poesia. Mas um poema convencional continua medíocre mesmo que invista contra toda a opressão do mundo. Fenômeno mais de sociologia da literatura que de poesia, a imensa maioria dos poemas sociais que se vê por aí será um dia apenas índeces do estado de espírito de nossas elites escrevedoras nesta quadra feia e triste de noss história.
Que ficou da imensa literatura e poesia abolicionista e replubicana que tomou conta do Brasil no final do Império?
A poesia fala uma lígua. A História, outra.
Traduções são possíveis mas sujeitas ao estatuto de todas as traduções: infidelidades, erros, equívocos, más interpretações.
A poesia retundante, banal, presa a veículos convencionais, é mais provável. E vai prevalecer quantitativamente, sempre.
Mas é totalitarismo querer que todos façam a mesma coisa.
Ótimo que façam coisas extremas, estranhas, difíceis.
Maravilha que o pessoal todo admitisse que algumas pessoas façam coias diferentes, especiais, fora do igual.
O que a gente vê é uma intolerância monolítica dos setors mais politizados e progressistas (pelo menos, da boca para fora) em relação aos criadores mais independentes e dissoantes, como Caetano e Gil.
Não tem um jeito só de ser radical.
Quem não teme, não oprime. Nem reprime.
Aqueles que vivem legislando "o poeta deve", "o poeta não pode", 'isso não é poesia", "poesia tem de ser assim ou assado", nada entendem de poesia e querem apanhar o vento com a rede de caçar borboletas.
A poesia, vida, liguagem viva, vaza todas as frestas.
É disso que o povo gosta.
1979
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