A resposta parece bem simples. Divide-se o gameplay em algumas categorias de senso comum, como jogabilidade, diversão, controle, som, gráficos etc. Faz um pequeno resumo descritivo desses itens e estabelece um valor de 0 a 10 para cada item. Depois é só fazer uma média dos valores, e está pronta sua análise. Um formatinho tarimbado que encontramos em jornais, revistas especializadas e blogs.
E daí? Esse um formato ruim? Não. Ele funciona muito bem para dar um panorama geral, uma crítica superficial, sobre o gameplay de determinado jogo. Muito útil quando vamos escolher entre comprar um gamebuster tipo Ninja Blade (From Software, 2008) e uma obra prima como BioShock (2K, 2007) para o seu recém adquirido Xbox 360.
O problema do formatinho default de análise jornalística de videogames estabelece-se na medida em que necessitamos de precisão científica sobre o assunto. Ou seja, quando se escreve uma crítica de videogames para uma audiência de massa não é estabelecido (nem é necessário) um método rigoroso que corrobore as afirmações contidas nessas críticas. Cada analista segue sua própria cartilha de técnicas e estilos para escrever. Assim, teoricamente, cada um escreve uma coisa diferente, baseada apenas no seu trato empírico com a indústria e em suas assunções subjetivas sobre o gameplay.
Então, a primeira coisa para transformar uma análise jornalística num artigo científico é estar respaldado por algum método ou escola conceituada de análise. Grosso modo, podemos dizer que temos três modos[1] analíticos nesse sentido: o formal (preocupado com as configurações materiais internas); o sócio-político (interessado em avaliar as repercussões contextuais); e o industrial (focando em estratégias empresariais e consumo).
Desses três, o que pretendo desenvolver aqui é a modo formal: preocupado em entender como as dimensões da narrativa, do lúdico e da interface constroem internamente o gameplay, e como isso afeta os jogadores.
Estabelecido o modo, segundo passo (certamente o mais interessante de todos) é jogar, para ter a experiência de como aquele jogo afeta você. Com base nessa experiência, você especula como ele afetaria outras pessoas, de maneira geral.
O terceiro passo é a decomposição do gameplay do jogo. Com certeza a parte mais difícil do trabalho de um analista. Aqui você deve elencar todos os componentes (personagens, poderes, mecânicas lúdicas, levels etc.) e estruturas (fluxogramas de cutscene e puzzles, trama narrativa etc.) que compõem o jogo como um todo. Não se desespere! Algumas coisas podem ajudar você nessa fase: guias oficiais dos jogos e walkthroughs amadores (eu voto no Gamefaqs) são uma mão na roda.
Quarto passo é determinar como esses componentes e estruturas são organizados para causar efeitos nos jogadores. Os efeitos cognitivos são aqueles que apelam à cognição: reconhecer e classificar o que é percebido; compreender mensagens capitais; interpretar desde as formas mais elementares de informação (símbolos e ícones) até os reconhecimentos de chaves metafóricas ou alusões.
O jogo Brain Age: Train Your Brain in Minutes a Day! (Nintendo, 2005) é um bom exemplo de gameplay desenvolvido com o objetivo de incitar basicamente efeitos cognitivos nos jogadores. Inicialmente o jogo faz um rápido levantamento de informações sobre o jogador com o objetivo de montar um perfil (nome, idade, com qual mão escreve etc). Estabelecido esse perfil, o videogame apresenta ao jogador uma série de puzzles que testam a velocidade de raciocínio do jogador, estabelecendo metáforas hierárquicas como bicycle speed, jet speed, e rocket speed. O jogo monitora o "treinamento cerebral" do jogador por meio das interpelações do cicerone Kawashima, professor responsável por manter o jogador ciente do estado atual de desenvolvimento cognitivo do seu cérebro.
Já os efeitos sensoriais compreendem um conjunto de estímulos dedicados a induzir no jogador sensações imediatas ligadas aos órgãos dos sentidos, como vertigem, força, aspereza, velocidade, escuridão etc. A maioria das mecânicas do gameplay do jogo Mirror's Edge (DICE 2008) tem como objetivo simular no jogador uma série de efeitos sensórios vertiginosos proporcionados pela fusão entre a perspectiva em primeira pessoa e a técnicas de parkour numa temática futurista.
Por último, os efeitos emocionais atêm-se a despertar determinados estados de ânimo no jogador: excitação sexual, medo, estranheza, graça etc. Jogos que se sustentam sobre estruturas de medo e suspense - estratégias comuns em filmes de terror - como o jogo Dead Space (Viceral Games, 2008) utilizam, em sua maioria, efeitos emocionais na construção dos seus gameplays.
É isso meninos e meninas. Depois é só juntar todas essas considerações num texto (com estilo próprio, muito importante para um crítico), com não mais de 12 páginas, e voalá, estarão prontas suas análises científicas de modo formal com uma leve inspiração na poética aristotélica.
[1] KING, Geoff & KRZYWINSKA, Tanya. Film studies and digital games. In: Rutter, Jason & Bryce, Jo. Understanding Digital Games. London: Sage, 2006.
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