Simulações videolúdicas e representações audiovisuais

Dando continuidade a temas relacionados a poética dos videogames, gostaria de abrir um novo post especulando possíveis efeitos específicos das simulações videolúdicas em comparação com obras audiovisuais. Segundo Gonzalo Frasca, “Simulação é o ato de modelar um sistema A através de um sistema menos complexo B, retendo alguns comportamentos do sistema original”[1]. Os jogos, ou sistemas lúdicos, são simulações. Basicamente categorizadas em dois tipos: as que se sustentam somente por um sistema lógico interno (abstratas); e outras que demandam relações temáticas, ou narrativas, com elementos do mundo real.

Por exemplo, um jogo de dominó funciona com um sistema simulacional onde os jogadores devem unir peças com extremidades quadradas com valores numéricos iguais em busca de pontos, um fim em si mesmo. No jogo de tabuleiro Notre Dame (Rio Grande Games, 2007), num outro sentido, os jogadores disputam por prestígio político nos distritos adjacentes a famosa catedral parisiense no final do século 14. Para que os componentes e mecânicas façam sentido para os jogadores é necessária a representação plástica de elementos deste período histórico na ambientação do jogo.

Os sistemas computacionais trouxeram avanços significativos para as simulações temáticas em termos de verossimilhança com o universo real. Além de simular com acerácea a texturas de objetos e a física de fenômenos naturais, os jogos produzidos nestes sistemas permitiram a criação de novas formas ficcionais. O fato dos computadores produzirem simulações mais complexas gerou certa confusão em relação a outras formas representacionais narrativas, como o cinema. Apesar de algumas similaridades, simulação e representação são sistemas simbólicos distintos.

A começar pelo posicionamento do indivíduo no processo fenomenológico em relação à obra. Nas representações, a sensação é de que a obra é extracorpórea, mesmo que a demanda simbólica seja interna à consciência do expectador: temos a impressão de estar dentro do filme, porém sempre como um observador. Numa outra forma de lidar com a realidade, as simulações propõem sensações de manipulação e presença na obra. A poética política do teatro-invisível de Augusto Boal[2] é um bom exemplo desse tipo de estratégia de efeito. A encenação do texto dramático deve ser realizada no local onde a situação encenada deveria ocorrer, sem que os espectadores percebam que se trata de um evento teatral. O objetivo deste tipo de poética é converter o espectador num jogador, ou usuário da obra, reagindo e opinando espontaneamente à discussão provocada pela encenação.

Esta sensação de presença, ou imersão, nas obras simulacionais advém principalmente pelo comportamento dos objetos que a compõem. Uma simulação, diferente de um filme, não retém apenas as características audiovisuais dos objetos, mas também, seus modelos de comportamento. Um objeto modelado numa simulação reage a determinados estímulos de acordo com um conjunto de regras pré-estabelecidas no sistema. No teatro-invisível os usuários alteram o desenrolar da trama por meio de interpelações dirigidas aos atores. Numa simulação digital, como o videogame, são necessários periféricos eletro-mecânicos (joysticks) que permitam input de informação no mundo virtual do jogo com o objetivo de modificá-lo de alguma maneira: fazer o avatar do bombeiro pular entre abismos no Super Mario Bros. (Nintendo, 1985), por exemplo.

Por último, e o ponto focal de confusão entre o audiovisual e o videogame, advém do limite de extensão dos efeitos de uma simulação lúdica. Como nos alertaram os teóricos clássicos dos estudos dos jogos – Johan Huizinga e Roger Caillois – para jogar, o indivíduo precisava conscientemente se desligar da realidade e adentrar num outro estado de percepção do mundo, assumindo uma espécie de supressão do espaço-tempo normal. Esse suposto lugar no qual o encanto lúdico se desenvolve é denominado circulo mágico.

Ao escolher adentrar e compactuar com as regras especuladas pelo círculo mágico, os jogadores experienciam sensações distintas daqueles indivíduos que estão fora deste limite topográfico. Como exemplo, podemos tipificar duas hipotéticas experiências sequenciais (primeiro um filme, depois um videogame) nas quais são submetidos um grupo de seis amigos numa sala de estar, utilizando o mesmo dispositivo de output de informação: a televisão. Na primeira parte do programa de entretenimento, não importa o posicionamento dos indivíduos no cômodo, todos serão afetados pelos efeitos fílmicos da mesma maneira. Na segunda parte do programa, quatro pessoas resolvem iniciar uma partida coletiva de New Super Mario Bros. Wii (Nintendo, 2009). Para as outras duas pessoas que estão na sala, e fora do círculo mágico proposto pelo videogame, as sequências audiovisuais produzidas pela televisão, tanto para o filme quanto para o jogo, podem parecer idênticas. Porém, os quatro jogadores que gesticulam freneticamente o Wii Remote na disputa por moedas e por destruir mais inimigos, interpretam de outra forma as informações provenientes da televisão.

Ou seja, “a simulação não pode ser entendida [apenas] através do seu output”[3], como supostamente se processa a atividade hermenêutica de obras audiovisuais. É necessário entender os meandros relacionais – entre jogador, interfaces e espaço lúdico – para daí propor uma recuperação das estratégias de efeitos de determinada obra videolúdica.


[1] FRASCA, Gonzalo. Simulation versus Representation (2001). Disponível em: http://tinyurl.com/y96hzd6. Acesso em: 15/12/2009.
[2] BOAL, Augusto. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
[3] FRASCA, Gonzalo. Simulation versus Narrative: Introduction to Ludology. In: Wolf, Mark J. & Perron, Bernard. The videogame theory reader. New York: Routledge, 2003. p. 224.

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